Em mais uma investida desta União Europeia “Global” e que defende os grandes interesses económicos, prepara-se uma nova regulamentação sobre patentes de sementes que, basicamente, irá colocar os direitos de produção na mão de meia-dúzia de produtores “gigantes”, e impedir que pequenos agricultores possam utilizar as suas sementes livremente para cultivar os seus produtos. Mais informações aqui.
Alguns já tomaram conhecimento deste caso através de um email que tem circulado na Internet, e que aqui reproduzimos:
“Sabem, por acaso, que no próximo dia 18 de Abril será aprovado em Bruxelas uma directiva sobre as sementes para a agricultura?
Que, por exemplo, 75% das sementes que são lançadas à terra em cada ano são sementes guardadas pelos próprios agricultores e que isso será absolutamente proibido a partir de então?
Que vão ficar certificadas meia dúzia de marcas/empresas para fornecer à agricultura, acabando com identidades nacionais nessa área?
Que apenas podem chegar ao mercados, couves, alfaces e outros verdes, por exemplo, espécies provenientes dessa certificação?
Que para poder-se produzir , a exploração terá de ter um mínimo de 10 hectares ?
Que tudo isso se faz com base no interesse de algumas empresas produtoras de sementes que afirmam não ter o rendimento do investimento feito em tecnologia e outros meios de produção, esquecendo que os seu investigadores foram formados em universidades públicas e a tecnologia é sempre um esforço do País e sempre colocada à disposição da iniciativa privada?
Que a maioria dessas empresas beneficiaram de apoios económicos e financeiros em larga escala, que de programas oficiais da comunidade, que em empréstimos da banca que hoje pagam os contribuintes à conta de tornar pública uma dívida que é privada?
Sabem que iremos ter a ASAE de novo a correr mercados municipais a analisar, a apreender e a inutilizas as couves que sempre comemos no nosso cozido à portuguesa?
Isto não é a Europa porque a própria Europa não passou da nossa ilusão e não é mais do que uma ferramenta mais para os desígnios da luta global pelo poder.”
O MNA contactou a organização GAIA, um dos grupos dinamizadores da campanha “Sementes Livres” de sensibilização das populações para esta gravíssima questão. Em relação ao email que tem circulado na Internet, falámos com Lanka Horstink, responsável pela entidade, que nos disse o seguinte:
“Na verdade começou a correr um boato na Net, que a nova Lei das Sementes seria colocada à votação no dia 18 de Abril, mas tal não é verdade. Também diz o boato que se trata de uma Directiva, mas trata-se de uma Regulamentação (o que por acaso até é pior).
A Comissão tem um plano de acção disponível aqui , cujos contornos são preocupantes e que já resultou na passagem de 3 Directivas que restringem significativamente a comercialização de sementes tradicionais. Uma delas já foi passada para a legislação portuguesa.
Mas a CE ainda não apresentou a sua proposta para a Regulamentação, por isso por enquanto não há nada para votar ainda.”
Mas a CE ainda não apresentou a sua proposta para a Regulamentação, por isso por enquanto não há nada para votar ainda.”
O MNA aproveitou ainda para colocar mais três questões a Lanka:
1) Se esta regulamentação for aprovada, quais os efeitos práticos imediatos, para os pequenos agricultores, e para o consumidor final?
A ser aprovada a “Lei das Sementes”, tratando-se de uma regulamentação, sobrepor-se-á à legislação nacional. Ainda não foi apresentada proposta definitiva para esta Lei, mas ao observar o plano de acção da Comissão e as Directivas Europeias recentes sobre produção e comercialização de sementes ditas “de conservação” (mas que se refere a variedades tradicionais, regionais), que depois ficarão integradas na nova Lei, as ameaças são:
· Toda e qualquer variedade de planta deverá ser registada no Catálogo Nacional de Variedades. Até recentemente, esta obrigação não existia para variedades regionais ou de baixo valor comercial. O registo implica custos, ensaios e o cumprimento de critérios a que as variedades tradicionais, cuja variabilidade genética as tem permitido adaptar-se ano após ano a solos e climas em constante mutação, não conseguem obedecer.
· O simples facto de ter que registar uma variedade antes de a poder usar sem ser só para consumo próprio, vai limitar o mercado às sementes de empresas que já estão equipadas para satisfazer os protocolos de registo e de certificação. Pois, segundo as últimas Directivas Europeias, o agricultor que pretende guardar sementes tem que ter condições de terreno e equipamento que não são as do agricultor tradicional.
· Em Portugal, cerca de 80% dos agricultores são pequenos e tradicionais. Os novos requisitos para produzir e comercializar sementes e os seus produtos vão prejudicar muito mais Portugal do que um país como a Alemanha, onde a agricultura familiar praticamente desapareceu.
· Como já está patente nas últimas Directivas Europeias sobre sementes de conservação (2008/62/EC e 2009/145/EC) não só as variedades tradicionais terão de ser obrigatoriamente registadas como se restringe drasticamente a sua produção e circulação. A variedade tradicional registada tem que ter região de origem e não poderá ser produzida ou comecializada fora da sua região! Isto significa que todo o trabalho de uma associação de preservação de sementes tradicionais como a Colher para a Semear terá sido em vão: Uma semente de abóbora do Algarve não poderá ser plantada em Trás-os-Montes e vice versa. Isto travaria por completo o processo de melhoramento de plantas tão essencial para nos adaptarmos a solos cada vez mais pobres e condições climatéricas cada vez mais instáveis.
· A autonomia do agricultor e em última instãncia a do consumidor vai ser posta em causa: ou opta por sementes do mercado, uma escolha necessariamente reduzida e sujeita a sementes tratadas com pesticidas ou pode ver a sua prática de preservar sementes ilegalizada.
2) Sendo esta legislação Europeia, poderão entrar neste mercado produtos vindos de fora da UE (por exemplo alguns legumes congelados), não sujeitos às mesmas regras?
Esta legislação serve principalmente para satisfazer as multinacionais, muitas delas estrangeiras, que querem garantir mercado para as suas sementes comerciais: convencionais e transgénicas. Implica que vamos ver muito mais produtos estrangeiros a circular no mercado europeu, tanto sementes como produtos processados, porque os pequenos criadores e agricultores não vão conseguir competir com os recursos destas empresas, e satisfazer todos os novos requisitos para preservar e vender sementes. O futuro que se antevê é um de produtos estandardizados, com pouquíssima variedade, tendencialmente com mais ingredientes transgénicos e clonados, e uma enorme dependência de países como Portugal nos produtos alimentares estrangeiros. Estamos a assistir à destruição do tecido agrícola local, restringindo a preservação e troca de sementes e produtos tradicionais, perdendo toda e qualquer autonomia alimentar em prol de um mercado global livre que beneficia uma mão cheia de grandes empresas.
3) A petição online e os dois dias internacionais de acção (17 e 18 de Abril) são um exemplo da vossa actividade em prol desta causa. Depois de 18 de Abril, que outras acções poderão ser levadas a cabo?
Entre Maio e o Outono vamos marcar presença em encontros e eventos em torno da agro-biodiversidade e as sementes e conhecimentos locais. Vamos apostar no alargamento da rede de Hortas pela Diversidade, hortas solidárias e ecológicas que dão o bom exemplo da agricultura e sentido de comunidade local que queremos promover. Para o Outono prevê-se um Intercâmbio Internacional de Sementes com oficinas, palestras, filmes e uma feira de sementes tradicionais. Paralelamente estaremos atentos aos desenvolvimentos legislativos a nível europeu e local para fazermos o lóbi político necessário.
O MNA agradece a disponibilidade de Lanka sobre esta questão, e deixamos aqui algumas ligações importantes:
Informações sobre os dois dias internacionais de acção, 17 e 18 de Abril:
Não se esqueçam de assinar a petição. Nós já o fizemos!
Para mais informações sobre a situação e sobre a melhor forma de ajudarem:
Partilhem este artigo. É uma questão muito séria!